Pão Diário

sábado, 27 de abril de 2013


Tudo Novo
LEITURA BÍBLICA

Atos 13.32-41
Por meio dele, todo aquele que crê é justificado de todas as coisas das quais não podiam ser justificados pela lei (At 13.39).
Quando meu filho ia à escola, às vezes folheávamos seu caderno de provas. Era gratificante quando as notas eram boas. Certo dia ele nos mostrava o caderno e de repente pulou uma página. Curioso, pedi que me mostrasse o que havia ali. A página estava borrada, malfeita, e a nota era baixa. E isso ele queria esconder. Sabe, vejo a nossa vida como um caderno de páginas em branco. A cada dia preenchemos uma página da nossa vida. E tudo o que ali está fica para sempre. Ninguém pode voltar atrás, nem uma hora sequer, para apagar o que escreveu. E assim surgem páginas borradas que gostaríamos de eliminar. É verdade que ninguém consegue folhear as nossas páginas. Mas nós as conhecemos. Nossa consciência sempre nos lembra delas. Quantos vivem sem paz porque há páginas borradas. Dariam tudo para apagá-las. Mas é impossível. A Bíblia chama esses borrões de pecado. E para este não existe uma solução qualquer. Pode-se tentar ignorar os borrões, mas quando menos se espera estarão aí, vivos, nos acusando. Muitos tentam mudar de ambiente ou emprego, vão morar em outra cidade, fogem para de algum modo se ver livres das manchas. Mas nada disso resolve. Não adianta insistir em escondê-lo. Para o pecado há só uma solução. João diz: “Se confessarmos o nosso pecado, ele é fiel e justo para nos perdoar o pecado e nos purificar de toda a injustiça” (1Jo 1.9). É o que Paulo diz no nosso texto. Quem crê em Jesus e o aceita como Salvador, é justificado. Isto é: tudo que não tínhamos mais como apagar, o Senhor Jesus por sua graça nos perdoa. Foi para isso que ele veio. Ele tira os borrões, perdoando e purificando-nos. Ele torna tudo novo. Basta não escondê-los mais. Ele tornou tudo muito simples: vá a ele, abra o seu coração. Conte-lhe tudo. Fale de seus pecados. E Ele fará de sua vida algo novo, justificado diante de Deus. - LS
Justificados, pois, pela fé, temos paz com Deus em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 5.1). Isso é “tudo novo”!
Pão Diario

quarta-feira, 24 de abril de 2013



Extraído  Série Vias dos Saberes no 1.

Movimento indígena, segundo uma definição mais comum entre as
lideranças indígenas, é o conjunto de estratégias e ações que as comunidades
e as organizações indígenas desenvolvem em defesa de seus
direitos e interesses coletivos. Movimento indígena não é o mesmo
que organização indígena, embora esta última seja parte importante
dele. Um indígena não precisa pertencer formalmente a uma organização
ou aldeia indígena para estar incluído no movimento indígena,
basta que ele comungue e participe politicamente de ações, aspirações
e projetos definidos como agenda de interesse comum das pessoas,
das comunidades e das organizações que participam e sustentam a
existência do movimento indígena, neste sentido, o movimento indígena
brasileiro, e não o seu representante ou o seu dirigente. Existem
pessoas, lideranças, comunidades, povos e organizações indígenas que
desenvolvem ações conjuntas e articuladas em torno de uma agenda
de trabalho e de luta mais ou menos comum em defesa de interesses
coletivos também comuns.
O líder indígena Daniel Mundurucu costuma dizer que no lugar de
movimento indígena dever-se-ia dizer índios em movimento. Ele tem
certa razão, pois não existe no Brasil um movimento indígena. Existem
muitos movimentos indígenas, uma vez que cada aldeia, cada povo ou
cada território indígena estabelece e desenvolve o seu movimento.
Mas as lideranças indígenas brasileiras, de forma sábia, gostam de
afirmar que existe sim um movimento indígena, aquele que busca articular
todas as diferentes ações e estratégias dos povos indígenas,
visando a uma luta articulada nacional ou regional que envolve os
direitos e os interesses comuns diante de outros segmentos e interesses
nacionais e regionais.
Essa visão estratégica de articulação nacional não anula nem reduz as
particularidades e a diversidade de realidades socioculturais dos povos
e dos territórios indígenas; ao contrário, valoriza, visibiliza e fortalece a
pluralidade étnica, na medida em que articula, de forma descentralizada,
transparente, participativa e representativa os diferentes povos.
No Brasil, existe de fato, desde a década de 1970, o que podemos
chamar de movimento indígena brasileiro, ou seja, um esforço conjunto
e articulado de lideranças, povos e organizações indígenas objetivando
uma agenda comum de luta, como é a agenda pela terra,
pela saúde, pela educação e por outros direitos. Foi esse movimento
indígena articulado, apoiado por seus aliados, que conseguiu convencer
a sociedade brasileira e o Congresso Nacional Constituinte a aprovar,
em 1988, os avançados direitos indígenas na atual Constituição
Federal. Foi esse mesmo movimento indígena que lutou para que os
direitos à terra fossem respeitados e garantidos, tendo logrado importantes
avanços nos processos de demarcação e regularização das
terras indígenas. Foi também esse movimento que lutou – e continua
lutando – para que a política educacional oferecida aos povos indígenas
fosse radicalmente mudada quanto aos seus princípios filosóficos,
pedagógicos, políticos e metodológicos, resultando na chamada educação
escolar indígena diferenciada, que permite a cada povo indígena
definir e exercitar, no âmbito de sua escola, os processos próprios
de ensino-aprendizagem e produção e reprodução dos conhecimentos
tradicionais e científicos de interesse coletivo do povo. A implantação
dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, ainda em construção e
aperfeiçoamento, é outra conquista relevante da luta articulada do
movimento indígena brasileiro.
Em nível regional, na Amazônia, o Projeto Demonstrativo dos Povos
Indígenas (PDPI), que faz parte do Ministério do Meio Ambiente,
e o Projeto Integrado de Proteção das Terras Indígenas na Amazônia
Legal (PPTAL), pertencente à Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
são alguns exemplos particulares da existência e da capacidade de
mobilização e pressão do movimento indígena amazônico. Assim, poderíamos
enumerar vários exemplos de conquistas do movimento indígena.
Isto significa dizer que muitas dessas conquistas políticas não
teriam sido possíveis sem o movimento indígena articulado, mesmo
com suas limitações e fragilidades, uma vez que é uma aprendizagem
muito nova para os índios por se tratar de uma modalidade complexa
de trabalho e luta dos brancos, até então desconhecida pelos povos
indígenas.
O modelo de organização indígena formal – um modelo branco – foi
sendo apropriado pelos povos indígenas ao longo do tempo, da mesma
forma que eles foram se apoderando de outros instrumentos e novas
tecnologias dos brancos para defenderem seus direitos, fortalecerem
seus modos próprios de vida e melhorarem suas condições de vida, o
que é desejo de qualquer sociedade humana. Isto não significa tornar-se
branco ou deixar de ser índio. Ao contrário, quer dizer capacidade de
resistência, de sobrevivência e de apropriação de conhecimentos, tecnologias
e valores de outras culturas, com o fim de enriquecer, fortalecer
e garantir a continuidade de suas identidades, de seus valores e de suas
tradições culturais.
A idéia de movimento indígena nacional articulado é importante
para superar a visão antiga dos colonizadores de que a única coisa
que os índios sabem fazer é brigar e guerrear entre si quando, na verdade,
usaram essas rivalidades intertribais para dominá-los, para isso,
jogando um povo contra o outro. Ainda hoje, muitos brancos, principalmente
do governo, preferem dar mais importância à idéia de que
não há e não pode haver movimento indígena articulado e representativo
devido à diversidade de povos e realidades, pois isso fortalece
os propósitos de dominação, manipulação e cooptação dos índios em
favor de seus interesses políticos e econômicos. Os dirigentes políticos
e os gestores de políticas públicas utilizam muito esta idéia para
justificar suas omissões e incapacidades de formular e de implementar
políticas públicas coerentes, com o argumento de que os índios não se
entendem, e isso impede a execução das ações. Um exemplo disto é o
projeto de lei do Estatuto das Sociedades Indígenas, que há mais de
10 anos permanece sem aprovação no Congresso Nacional. A principal
justificativa por parte dos dirigentes políticos é a falta de consenso
entre os índios sobre as várias questões e os diferentes aspectos do
projeto de lei.
É em nome dessa visão propositadamente distorcida da diversidade
indígena que a FUNAI não reconhece as organizações indígenas como
interlocutoras ou agentes políticos das comunidades indígenas, argumentando
que os povos indígenas, na sua totalidade, não aceitariam
ser representados por alguma organização indígena. Na verdade, essa
representação pan-indígena não interessa a muitos setores políticos e
econômicos do país e, por isso, acabam dividindo os povos e as comunidades
indígenas para assim subjugá-los e dominá-los.

segunda-feira, 22 de abril de 2013





Movimento indígena ou movimentos indígenas?

Extraido: Série Vias dos Saberes no 1

Um dos fatores que contribuíram para o processo de dominação e
de extermínio dos povos indígenas do Brasil foi a habilidade com que
os colonizadores portugueses usaram a seu favor os desentendimentos
internos entre os diferentes grupos étnicos, fosse provocando brigas
entre eles ou usando-os para comporem seus exércitos para atacarem
grupos rivais.
A partir dessa trágica experiência, os povos indígenas resolveram
superar as rivalidades, e se uniram para lutar em conjunto por seus
direitos. Para consolidar essa nova estratégia, diversos povos indígenas,
a partir da década de 1970, começaram a criar suas organizações
representativas para fazerem frente às articulações com outros povos e
com a sociedade nacional e a internacional. A conjunção e a articulação
entre tais organizações constituem hoje o chamado movimento indígena
organizado. O capítulo tratará do aspecto histórico dos principais
mecanismos de dominação impostos aos povos indígenas pelos colonizadores,
bem como dos primeiros sinais de emergência do movimento
indígena organizado, suas principais conquistas e desafios e as possíveis
perspectivas que apontam. Abordaremos ainda as diferentes formas e
dinâmicas de organização dos trabalhos e das lutas políticas dos povos
indígenas no Brasil na atualidade. Não se trata de um manual, mas de
um subsídio para discussão, reflexão, estudos ou pesquisas que tenham
por objetivo aprofundar a compreensão acerca das formas de organização
social dos povos indígenas brasileiros contemporâneos.
Os povos indígenas sempre resistiram a todo o processo de dominação,
massacre e colonização européia por meio de diferentes estratégias,
desde a criação de federações e confederações de diversos povos para
combaterem os invasores, até suicídios coletivos. A estratégia atual mais
importante está centrada no fortalecimento e na consolidação do movimento
indígena organizado. O ponto de partida é conhecer um pouco
o processo histórico vivido pelos povos indígenas nos últimos anos e as
diferentes estratégias de resistência e luta adotadas por todo esse tempo
para se chegar ao atual cenário em curso, e também as possibilidades
e as perspectivas que apontam. São informações que buscam atender
às múltiplas dimensões políticas, técnicas e administrativas que assumiram
as organizações indígenas no Brasil contemporâneo, baseadas
em experiências de luta no campo do movimento indígena brasileiro,
particularmente, no movimento indígena amazônico.
Nosso objetivo é aprofundar o desenvolvimento de alguns aspectos
conceituais, metodológicos e operacionais incorporados pelas diferentes
formas, naturezas, níveis e propósitos adotados pelas organizações
sociais indígenas na atualidade. Referimo-nos ao movimento
indígena organizado e aos esforços e às estratégias locais, regionais e
nacionais de luta articulada entre comunidades, povos e organizações
indígenas em torno de uma agenda e de interesses de luta comuns a
todos. Isto para diferenciar das organizações tradicionais de cada
comunidade ou povo, que também são formas organizadas de vida,
mas geralmente limitadas aos níveis e aos interesses locais, sem uma
abrangência mais ampla.


 O que é movimento indígena?
Movimento indígena, segundo uma definição mais comum entre as
lideranças indígenas, é o conjunto de estratégias e ações que as comunidades
e as organizações indígenas desenvolvem em defesa de seus
direitos e interesses coletivos. Movimento indígena não é o mesmo
que organização indígena, embora esta última seja parte importante
dele. Um indígena não precisa pertencer formalmente a uma organização
ou aldeia indígena para estar incluído no movimento indígena,
basta que ele comungue e participe politicamente de ações, aspirações
e projetos definidos como agenda de interesse comum das pessoas,
das comunidades e das organizações que participam e sustentam a
existência do movimento indígena, neste sentido, o movimento indígena
brasileiro, e não o seu representante ou o seu dirigente. Existem
pessoas, lideranças, comunidades, povos e organizações indígenas que
desenvolvem ações conjuntas e articuladas em torno de uma agenda
de trabalho e de luta mais ou menos comum em defesa de interesses
coletivos também comuns.
O líder indígena Daniel Mundurucu costuma dizer que no lugar de
movimento indígena dever-se-ia dizer índios em movimento. Ele tem
certa razão, pois não existe no Brasil um movimento indígena. Existem
muitos movimentos indígenas, uma vez que cada aldeia, cada povo ou
cada território indígena estabelece e desenvolve o seu movimento.
Mas as lideranças indígenas brasileiras, de forma sábia, gostam de
afirmar que existe sim um movimento indígena, aquele que busca articular
todas as diferentes ações e estratégias dos povos indígenas,
visando a uma luta articulada nacional ou regional que envolve os
direitos e os interesses comuns diante de outros segmentos e interesses
nacionais e regionais.
Essa visão estratégica de articulação nacional não anula nem reduz as
particularidades e a diversidade de realidades socioculturais dos povos
e dos territórios indígenas; ao contrário, valoriza, visibiliza e fortalece a
pluralidade étnica, na medida em que articula, de forma descentralizada,
transparente, participativa e representativa os diferentes povos.
No Brasil, existe de fato, desde a década de 1970, o que podemos
chamar de movimento indígena brasileiro, ou seja, um esforço conjunto
e articulado de lideranças, povos e organizações indígenas objetivando
uma agenda comum de luta, como é a agenda pela terra,
pela saúde, pela educação e por outros direitos. Foi esse movimento
indígena articulado, apoiado por seus aliados, que conseguiu convencer
a sociedade brasileira e o Congresso Nacional Constituinte a aprovar,
em 1988, os avançados direitos indígenas na atual Constituição
Federal. Foi esse mesmo movimento indígena que lutou para que os
direitos à terra fossem respeitados e garantidos, tendo logrado importantes
avanços nos processos de demarcação e regularização das
terras indígenas. Foi também esse movimento que lutou – e continua
lutando – para que a política educacional oferecida aos povos indígenas
fosse radicalmente mudada quanto aos seus princípios filosóficos,
pedagógicos, políticos e metodológicos, resultando na chamada educação
escolar indígena diferenciada, que permite a cada povo indígena definir e exercitar, no âmbito de sua escola, os processos próprios
de ensino-aprendizagem e produção e reprodução dos conhecimentos
tradicionais e científicos de interesse coletivo do povo. A implantação
dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, ainda em construção e
aperfeiçoamento, é outra conquista relevante da luta articulada do
movimento indígena brasileiro.
Em nível regional, na Amazônia, o Projeto Demonstrativo dos Povos
Indígenas (PDPI), que faz parte do Ministério do Meio Ambiente,
e o Projeto Integrado de Proteção das Terras Indígenas na Amazônia
Legal (PPTAL), pertencente à Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
são alguns exemplos particulares da existência e da capacidade de
mobilização e pressão do movimento indígena amazônico. Assim, poderíamos
enumerar vários exemplos de conquistas do movimento indígena.
Isto significa dizer que muitas dessas conquistas políticas não
teriam sido possíveis sem o movimento indígena articulado, mesmo
com suas limitações e fragilidades, uma vez que é uma aprendizagem
muito nova para os índios por se tratar de uma modalidade complexa
de trabalho e luta dos brancos, até então desconhecida pelos povos
indígenas.
O modelo de organização indígena formal – um modelo branco – foi
sendo apropriado pelos povos indígenas ao longo do tempo, da mesma
forma que eles foram se apoderando de outros instrumentos e novas
tecnologias dos brancos para defenderem seus direitos, fortalecerem
seus modos próprios de vida e melhorarem suas condições de vida, o
que é desejo de qualquer sociedade humana. Isto não significa tornar-se
branco ou deixar de ser índio. Ao contrário, quer dizer capacidade de
resistência, de sobrevivência e de apropriação de conhecimentos, tecnologias
e valores de outras culturas, com o fim de enriquecer, fortalecer
e garantir a continuidade de suas identidades, de seus valores e de suas
tradições culturais.
A idéia de movimento indígena nacional articulado é importante
para superar a visão antiga dos colonizadores de que a única coisa
que os índios sabem fazer é brigar e guerrear entre si quando, na verdade,
usaram essas rivalidades intertribais para dominá-los, para isso, jogando um povo contra o outro. Ainda hoje, muitos brancos, principalmente
do governo, preferem dar mais importância à idéia de que
não há e não pode haver movimento indígena articulado e representativo
devido à diversidade de povos e realidades, pois isso fortalece
os propósitos de dominação, manipulação e cooptação dos índios em
favor de seus interesses políticos e econômicos. Os dirigentes políticos
e os gestores de políticas públicas utilizam muito esta idéia para
justificar suas omissões e incapacidades de formular e de implementar
políticas públicas coerentes, com o argumento de que os índios não se
entendem, e isso impede a execução das ações. Um exemplo disto é o
projeto de lei do Estatuto das Sociedades Indígenas, que há mais de
10 anos permanece sem aprovação no Congresso Nacional. A principal
justificativa por parte dos dirigentes políticos é a falta de consenso
entre os índios sobre as várias questões e os diferentes aspectos do
projeto de lei.
É em nome dessa visão propositadamente distorcida da diversidade
indígena que a FUNAI não reconhece as organizações indígenas como
interlocutoras ou agentes políticos das comunidades indígenas, argumentando
que os povos indígenas, na sua totalidade, não aceitariam
ser representados por alguma organização indígena. Na verdade, essa
representação pan-indígena não interessa a muitos setores políticos e
econômicos do país e, por isso, acabam dividindo os povos e as comunidades
indígenas para assim subjugá-los e dominá-los.

quarta-feira, 17 de abril de 2013


Diversidade cultural indígena


Extraído  Série Vias dos Saberes no 1.



A riqueza da diversidade sociocultural dos povos indígenas representa
uma  poderosa arma na defesa dos seus direitos e hoje alimenta
o orgulho de pertencer a uma cultura própria e de ser brasileiro originário.
A cultura indígena em nada se refere ao grau de interação
com a sociedade nacional, mas com a maneira de ver e de se situar no
mundo; com a forma de organizar a vida social, política, econômica
e espiritual de cada povo. Neste sentido, cada povo tem uma culturadistinta da outra, porque se situa no mundo e se relaciona com ele de maneira própria.
Estima-se que quando Cristóvão Colombo chegou pela primeira vez
ao continente americano, em 1492, ele era habitado pelo menos por 250
milhões de pessoas, que passaram a ser denominados de índios, distribuídos
e organizados por milhares de grupos étnicos ou povos autóctones.
Apenas na região do atual México, estima-se que ali habitavam
naquela época mais de 30 milhões de índios, segundo relatos de cronistas
e historiadores de então. Apesar do grande massacre implementado
pelos invasores europeus, os povos indígenas ainda somam atualmente
mais de 50 milhões de pessoas espalhadas por todos os países da América
do Norte, da América Central e da América do Sul. Segundo as
Nações Unidas, os povos indígenas constituem hoje uma população de
300 milhões de pessoas em 70 países.
São povos que representam culturas, línguas, conhecimentos e crenças
únicas, e sua contribuição ao patrimônio mundial – na arte, na
música, nas tecnologias, nas medicinas e em outras riquezas culturais
– é incalculável. Eles configuram uma enorme diversidade cultural, uma
vez que vivem em espaços geográficos, sociais e políticos sumamente
diferentes. A sua diversidade, a história de cada um e o contexto
em que vivem criam dificuldades para enquadrá-los em uma definição
única. Eles mesmos, em geral, não aceitam as tentativas exteriores de
retratá-los e defendem como um princípio fundamental o direito de se
autodefinirem.
Contrariamente ao que costumamos ler nos livros escolares, pensados
e escritos a partir da ótica dos brancos invasores, os povos nativos
do continente americano haviam desenvolvido grandes e avançadas
civilizações milenares muito semelhantes às indo-européias e, em muitos
aspectos, até mais sofisticadas que elas. As civilizações astecas,
maias e incas em nada são inferiores às européias, exceto no domínio
da arma de fogo. Elas criaram sistemas políticos muito semelhantes
aos do continente europeu, com grandes impérios, cidades-estados e
monarquias, com reis, imperadores e governos democráticos ou monárquicos.
Muitas dessas civilizações indígenas tinham alcançado o
ponto máximo de desenvolvimento e a sua conseqüente decadência
muito antes da chegada dos europeus ao continente; outras foram destruídas
por esses invasores.
Esta constatação histórica desconstrói a idéia predominante no senso
comum de que os povos nativos do continente americano eram inferiores
e primitivos em relação aos colonizadores europeus, pois não
pertenciam a nenhuma civilização. Desconstrói também a idéia de que
foram os europeus que aniquilaram todas essas grandes civilizações indígenas.
Ë verdade que algumas foram destruídas pela barbaridade dos
invasores, que se aproveitaram da superioridade que tinham na arte
da guerra com armas de fogo, cidades indígenas sendo completamente
arrasadas e queimadas. Mas muitas civilizações, como a asteca e a zapoteca
no México, desenvolveram-se e entraram em decadência muito
antes da chegada dos europeus. Os motivos desse declínio pré-contato
com o Ocidente ainda são desconhecidos, mas pode-se supor que tenha
acontecido por causa de guerras intertribais, tragédias ecológicas ou
ainda por limitações naturais.
No Brasil, não há indícios de que tenham sido desenvolvidas civilizações
indígenas semelhantes às grandes da América Central e das
Terras Altas da América do Sul ou da Região Andina (na Cordilheira
dos Andes). O Brasil está localizado nas denominadas terras baixas da
América do Sul, onde os povos nativos expandiram outras formas de
civilização igualmente milenares e sofisticadas, como a marajoara, na
Ilha do Marajó, no estado do Pará. Os povos indígenas habitantes do
território brasileiro são caracterizados por terem criado sistemas políticos
baseados em grandes redes de alianças políticas e econômicas, chamadas
confederações. Uma das mais conhecidas, a Confederação dos
Tamoios, ficou famosa por sua resistência e bravura no período inicial
da colonização portuguesa.
Estimativas menos otimistas indicam que em 1500, quando da chegada
de Pedro Álvares Cabral, viviam no Brasil pelo menos 5 milhões
de índios. Há dados históricos e científicos suficientes para se afirmar
que eram muito mais, uma vez que somente os Guarani representavam
pelo menos 1 milhão de pessoas à época.
Desta constatação histórica importa destacar que, quando falamos
de diversidade cultural indígena, estamos falando de diversidade de
civilizações autônomas e de culturas; de sistemas políticos, jurídicos,
econômicos, enfim, de organizações sociais, econômicas e políticas
construídas ao longo de milhares de anos, do mesmo modo que outras
civilizações dos demais continentes: europeu, asiático, africano e a oceania.
Não se trata, portanto, de civilizações ou culturas superiores ou
inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes, mas diferentes.
Deste modo, podemos concluir que não existe uma identidade cultural
única brasileira, mas diversas identidades que, embora não formem
um conjunto monolítico e exclusivo, coexistem e convivem de forma
harmoniosa, facultando e enriquecendo as várias maneiras possíveis de
indianidade, brasilidade e humanidade. Ora, identidade implica a alteridade,
assim como a alteridade pressupõe diversidade de identidades,
pois é na interação com o outro não-idêntico que a identidade se constitui.
O reconhecimento das diferenças individuais e coletivas é condição
de cidadania quando as identidades diversas são reconhecidas como
direitos civis e políticos, conseqüentemente absorvidos pelos sistemas
políticos e jurídicos no âmbito do Estado Nacional.
A compreensão dessa diversidade étnica e identitária é importante
para a superação da visão conservadora da noção clássica de Unidade
Nacional e Identidade Nacional monolítica e única, na qual se pretende
que a identidade seja uma síntese ou uma simplificação das diversas culturas